quinta-feira, 5 de julho de 2012

A Chris

No último sábado, a sessão de Cinema do Gramado da nossa festa Mixto Quente foi dedicada à  amiga Chris Riera, que nos deixou recentemente. Em homenagem a ela, exibimos curtas de alguns dos seus amigos, entre eles Cao Hamburger, Anna Muylaert, Marco Dutra, Juliana Rojas, Caetano Gotardo, Tata Amaral e Teo Poppovic. 
Antes de começar a sessão ao ar livre, junto com a turma sentada nas esteiras e brindando taças de plástico com vinho, li o seguinte texto.


Para a Chris

Já faz um tempo que eu estou para escrever sobre a Chris. Desde o começo de maio, todo dia eu venho enrolando um pouquinho, porque todo dia, em algum momento eu me lembro sua risada, da sua presença luminosa e falo pra mim mesmo: eu preciso escrever sobre a Chris... mas, até hoje, eu simplesmente não conseguia. Então tentei entender porque evitei, esse tempo todo, escrever algo sobre ela. 


Muita gente tem escrito coisas lindas sobre a Chris. O Cao, o Antônio Prata, a Elena Soares, o Roveri, o Gustavo Fioratti, o Chico Mattoso... todos eles soltaram pérolas tão lindas e eu achava aquilo tão bonito que me acanhava um pouco em escrever. Pensava, mesmo, que meu texto não estava a altura de quem eu queria homenagear como o deles estava. 

Acontece que os textos que eles escreveram me emocionaram de uma maneira tão profunda que também ficou claro pra mim que compartilhar a dor era, pelo menos, uma maneira de atenuá-la. E isso era o mais importante. Daí que a minha desculpa estilística não servia mais. Até porque sempre foi isso mesmo, apenas uma desculpa pra não escrever -- algo que nós roteiristas somos craques em inventar.

Então eu entendi que realmente o que me fez enrolar em escrever sobre a Chris é que, no fundo, pra escrever sobre ela eu precisava aceitar que ela tinha partido. E isso não é fácil. Sim, eu já me despedi, já chorei, já rezei, já sorri lembrando, mas na verdade até hoje eu ainda acho que meu telefone vai tocar e vou dizer alô e do outro lado vou ouvir a voz dela pra combinar um almoço, ou um café, ou qualquer outra desculpa pra se encontrar, e vamos falar sobre os mil assuntos que a gente trocava em um minuto, desde o dia em que iríamos abandonar cinema pra se dedicar apenas ao teatro e à literatura (pra logo depois falar apaixonadamente sobre algum filme) até a receita certa para um bolo de fubá com selo de qualidade mineiro; até hoje, quando eu termino um roteiro, eu ainda acho que a Chris vai ler e mandar os comentários mais legais do mundo, fazendo aquela crítica doce e suave que só ela fazia e que depois a gente vai passar na casa dela pra tomar um chá, comer o bolo de fubá (com selo de Minas) e prozeá, prozeá e prozeá... Pra falar a verdade, eu ainda nem apaguei o cutucão que ela me deu no facebook, esperando o momento certo pra cutucar a Chris de volta. 

Então, tô eu aqui, cutucando você de volta Chris. 

Em matéria de religião, não tô fechado com ninguém, mas tô mais ou menos como Shakespeare, acreditando que existem muito mais coisas entre o céu e a terra do que supõem as nossas vãs filosofias. Sigo tateando. Outro dia eu fui com minha mulher numa reunião budista e lá a gente discutiu o que é reencarnar. Eu sempre entendi reencarnação como algo qua acontecia quando a gente ia embora e daí dava um rolézinho rápido sabe-se lá por onde até encontrar um bebezinho inocente que, por azar, estivesse nascendo naquele mesmo momento. E pumba, entrava no bebê. Ou num grilo, ou numa ave, num sei... Só que o mestre budista nos disse que não era assim que ele entendia a reencarnação. Pra ele, reencarnação é o que fica em nós daqueles que partiram. 

E eu concordo com ele. Então, eu tenho certeza, a Chris tá aqui todos os dias. Ela está em mim, está no Cao, no Marco Dutra, no Caetano Gotardo, no Chico Mattoso, no Roveri, na Tata Amaral, na Anna Muylaert, na Maria Luiza, na Olga, na minha mulher e em todos seus amigos e na sua família linda, em especial no seu filho João. Acho que até nas paredes da casadalapa ela tá um pouquinho. 

Eu e a Anna Muylaert já combinamos de fundar uma ONG pra todo mundo que sente falta da Chris e que guarda uma saudade meio inconformada dentro de si sem saber direito o que fazer com ela. Daí que na nossa ONG, algumas vezes por ano a gente deveria se reunir e contar causos, histórias, momentos que passamos com a Chris, pra ver se acalma nossa dor um pouquinho. Vocês não sabem, mas essa é a inauguração da nossa ONG, a primeira reunião. E como ela ia ficar puta com a gente se isso aqui fosse um choramingô e não uma reunião divertida, em vez de lamentar que a Chris não está mais com a gente, vamos tratar de celebrar os momentos que passamos juntos.  


Vamos celebrar o riso, o choro, os cutucões, virtuais ou não, o vinho bebido no balcão, a cerveja tomada na Mercearia, as reuniões de discussão de roteiro que pareciam intermináveis e que hoje são um sopro de lembrança e que poderiam ter durado até um pouco mais pra que a gente pudesse ter um pouco mais de sua memória em nós.  

Então, eu queria aqui com vocês, brindar a vida dessa amiga, amiga da casadalapa, que encantava todo mundo que cruzasse o seu caminho com o coração aberto e soubesse enxergar a vida com amor. 

Eu queria decretar que a nossa ONG está aberta, pra quem quiser entrar. 

E acima de tudo desejar um viva. 

Viva a Chris.






Thiago Dottori