A casa

                              Casadalapa: irradiação artística e coletiva na cidade

“17 artistas ocupam casa na Lapa, e criam pólo de convergência e irradiação artística na cidade”

Thoureau com certeza ia gostar. Cansados do ambiente de crescente comercialismo e competitividade do mercado e da sociedade, e em um movimento que espelha, de forma inconsciente, o mais simbólico gesto do ícone americano da contracultura, um grupo de artistas de diversas áreas decidiu se reunir em 2005 para operar sob um princípio alternativo à lógica vigente do mercado: a colaboração. “Aqui você pode mostrar seu trabalho para o colega da sala ao lado sem se preocupar com o fato de que ele, muito provavelmente, poderia estar querendo ocupar o seu posto, como ocorre na maioria dos casos nas empresas convencionais”, explica Fernando Sato. Designer, ele trabalhou por anos em agências de publicidade e foi um dos pioneiros da iniciativa.  “Basta substituir o mecanismo da competição pelo da colaboração, que as possibilidades de troca entre os integrantes da casa passam a ser, virtualmente, infinitas”, completa Julio Dojcsar, artista plástico, cenógrafo e grafiteiro. Julinho, como é conhecido entre os amigos na casa, chegou a cogitar viver nas ruas de São Paulo para se dedicar integralmente ao trabalho. Hoje acaba de construir sua própria casa, e vai a Quadrienal de Praga, ao lado de Sato, e Silvana Marcondes para apresentar 3 dos principais trabalhos fruto da convivência entre os artistas da residência: os “Enquadros” 1 e 2, e  a direção de arte da peça teatral “O Santo Guerreiro e o Herói Desajustado” (da Cia São Jorge de Variedades).
“É importante entender que não queremos nos contrapor a nada e nem ninguém. Simplesmente funcionamos de forma diferente do sistema, mas sem qualquer ideologia por trás disso”, explica Fernando Coster, mais um dos cineastas de evidência nacional residentes na casa. Além de Sato, Julinho e Fernando, há mais 14 integrantes no espaço, sem contar os aliados - artistas não residentes mas envolvidos de diversas formas nos projetos e processos coletivos. “Se houvesse uma exposição que contemplasse o trabalho de todos, seria possível encontrar filmes, grafites, quadros, fotos, figurinos, programas de tv, discos, roteiros de cinema, cerâmicas, sites, quadros, cartazes, cenários, livros...Na verdade, a nossa idéia é realizar obras em que essas divisões não fiquem claras, mas imperceptíveis”, revela Willem Dias, atualmente um montadores de maior prestígio do audiovisual nacional, e um dos primeiros residentes a transferir seu estúdio para a Lapa.


Processos Coletivos

Mas como funciona no dia-a-dia o mecanismo de interação criativa entre tantos e tão diversos artistas? Thiago Dottori (ele assina, entre outros, o roteiro do filme Vips, estrelado por Wagner Moura, com estréia nesta semana) explica que a principal diferença na casadalapa é que ali “o que os integrantes perseguem é justamente criar obras que não “hierarquizem” as relações de trabalho, mas onde a criação seja coletiva o tempo todo sem que haja, por exemplo, um “diretor” conduzindo o processo, e onde cada trabalho caminhe lado a lado e, acima de tudo, em conjunto”.
Ele acrescenta ainda que ali não se trata de uma convergência de um único objeto artístico – como aconteceria em um coletivo de design, ou de teatro -, mas sim de diferentes e múltiplos realizadores. “Nosso objetivo não é exatamente criar um repertório de peças, ou fazer websites, ou filmes. Nossa obra é tudo isso junto, partindo de um mesmo objeto artístico em que todas essas linguagens criem um corpo único, através dessa ação não hierarquizada,” completa.
Em alguns processos coletivos isso já é bastante evidente e, além dos “Enquadros” 1 e 2 - obras definidas nos corredores da casa como HQs Urbanas, e onde estão mesclados intervenção urbana, grafite, vídeo, site e dramaturgia -, outros exemplos recentes são a exposição multimídia “Onde está o Craque?”, e as edições do “Mixto Quente”, evento no qual a casa abre suas portas para receber - e celebrar com - a comunidade uma fusão singular de show, exposição e cinema.
Em vez de uma cabana na floresta, uma casa na Lapa. Em vez de um único morador, 18 residentes. “Somos como um Thoureau separado em 18 partes”, arrisca André Collazi, ator e roteirista, em uma metáfora com a qual nem todos os residentes concordam. Mas é esse justamente o espírito da Casa, completa Vana Marcondes, figurinista, artista plástica e aderecista. “Aqui ninguém precisa concordar com ninguém, e é livre para se colocar como bem entender, especialmente na hora do café, onde todos, invariavelmente, se encontram. E onde também, invariavelmente, surgem as nossas melhores idéias.” Thoureau, sem dúvida, iria gostar.


Integrantes 

Achiles Luciano - artista plástico

Alessandra Domingues - artista visual e Iluminadora
André Collazzi - roteirista de cinema e TV
Fafi Prado - atriz, video artista,arte educadora 
Fernando Coster – cineasta 
Julio Dojcsar - cenógrafo, grafiteiro e artista plástico
Márcio Werneck - produtor músical e videomaker
Newber Machado - designer gráfico e fotógrafo
Pedro Noizyman - designer de som e dj
Rafaella Costa - produtora de cinema e publicidade
Sato – diretor de arte
Silvana Marcondes - figurinista
Simon Simantob – produtor musical e engenheiro de som
Thiago Dottori - roteirista de cinema e TV
Will Robson - dj e produtor musical
Willem Dias - montador
Zeca Caldeira – fotógrafo